Texto de Janaína Maudonnet
"Olá a todas e todos!
Devido a reportagem sobre a aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil na prática que saiu na Revista da Editora Segmento (postagem anterior), elaborei um texto sobre o tema. Segue abaixo para discutirmos.
Abraço!
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil apontam para uma visão de criança como “centro do planejamento Curricular”, como um sujeito de direitos que é portador de teorias, saberes; que pensa sobre o mundo e atribui sentido à ele a partir do que lhe é oferecido; uma criança que não passa incólume às propostas que vivencia desde sua chegada até a saída da instituição.
Nesse sentido, define currículo como “um conjunto de práticas que buscam articular os saberes e experiências das crianças com o patrimônio cultural, artístico, ambiental, cientifico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral da criança”. Ou seja, currículo não é aquele que se define a priori, mas aquele que é vivenciado com as crianças a partir de seus saberes, manifestações, articulado com aquilo que consideramos importante que elas conhecem do patrimônio da humanidade.
Embora, a aceitação dessas concepções de criança e currículo não seja, a primeira vista, um grande problema em um nível discursivo entre a maioria dos profissionais da educação, para de fato incorporá-las nas práticas, ainda há um longo caminho.
O foco das propostas oferecidas às crianças ainda está, na maioria dos casos, na atividade a ser desenvolvida por ela, seja essa atividade uma contação de histórias, um registro no papel, uma dança, uma música a ser cantada, ou ainda, a troca de roupas e a escovação de dentes. As relações estabelecidas, os conhecimentos que as crianças tem sobre o que vai ser vivido, as indagações que tem sobre o mundo, muitas vezes não são ouvidas ou são desconsideradas na organização das propostas.
Para praticar o que dizem as DCNS, precisamos apurar o nosso olhar em relação as crianças que temos: o que sabem, o que gostam, como pensam o mundo, como se manifestam, o que conhecem, como conhecem. São perguntas que todos os educadores devem se fazer sempre para buscar a melhor pedagogia para as crianças com as quais convivem. Para isso, precisam desenvolver uma metodologia de coleta de informações que passa pela observação atenta, pela pesquisa (“professor pesquisador”). Por exemplo, em relação ao brincar: do que as crianças brincam? Quais são suas brincadeiras preferidas? Qual seu repertório de brincadeiras? De que modo podemos ampliá-lo? Que materiais podemos oferecer às crianças para ampliar suas possibilidades de brincar? O educador precisa ser um constante pesquisador.Em um texto belíssimo, intitulado, “Planejamento no educação infantil: mais do que a atividade, a criança em foco”, Luciana Esmeralda Ostetto destaca diferentes maneiras de planejar na educação infantil que fizeram parte da história da Educação Infantil e da formação de professores e, que ainda convivem na prática (por exemplo, planejamento através de uma simples listagem de atividades, de datas comemorativas, de disciplinas – matemática, português,etc.) e ressalta que o grande desafio que temos hoje é justamente, planejar olhando as crianças concretas que temos.
A referência da escola, transmissora de saberes, ainda é muito forte em nosso imaginário. Essa foi nossa experiência como alunos, considerados como aqueles que não tem luz, que não tem o que dizer (infans – sem voz). Nos próprios cursos de formação, muitas vezes os professores também são submetidos a isso: palestras distantes, que nem sempre permitem que eles coloquem em jogo aquilo que sabem, fazem e acreditam.
A preocupação com a quantidade e o produto final do trabalho é também um grande desafio das instituições de educação infantil. Estas estão submetidas aos mesmos mecanismos de exigência social do capitalismo. Muitas vezes, quanto mais “folhas de atividades” são produzidas pelas crianças, mais eficiente é considerada a proposta. Essa é uma exigência de muitas famílias, que não percebem essa dimensão, e que acaba sendo consolidada por muitas escolas.
Para se trabalhar na perspectiva das diretrizes, é preciso pensar no processo. As crianças precisam ter tempo para viver as coisas profundamente, ter oportunidade de sentir as experiências, poder ouvir uma boa história, sem pressa porque vai abrir o portão; aprender a se servir e se trocar, testando suas habilidades, sentindo suas dificuldades, com calma. Enfatizar o processo é importante porque dá tempo para a criança se perceber e perceber o mundo com mais tranqüilidade e portanto mais profundamente.
Tempo é outro fator que tem que ser continuamente repensado na instituição. Há um grande mito que resvala em boa parte das instituições: “todo mundo faz a mesma coisa ao mesmo tempo o tempo todo”. O tempo da instituição ainda é muito homogêneo e arbitrário. Ainda se exige muito do educador um controle excessivo das crianças que precisam sempre fazer alguma coisa juntas e em um determinado horário fixo, rígido. A organização de cantos nas salas, por exemplo, hoje tão debatida na área, ajuda o educador a se concentrar em pequenos grupos, em uma criança, possibilitando que ele possa conhecê-las melhor.
Nesse sentido, é preciso discutir também a relação com o espaço. Um espaço pobre de desafios, cheio de mesas e carteiras, como poucos materiais disponíveis dificulta que a criança possa ampliar seu conhecimento de mundo e crie hipóteses sobre como as coisas do mundo são. Por outro lado, o contato com a natureza e os espaços externos, permitem que as crianças, observem os fenômenos e se indaguem sobre eles: por que a formiga consegue subir em cima de uma árvore sem cair? Porque o vento sopra? São perguntas que as crianças se fazem quando damos tempo e espaço para que elas descubram. E nos fornecem caminhos muito mais interessantes para trabalharmos com elas.
Para colocar em práticas as DCNS é preciso repensar a instituição em seu todo: nos tempos, nos espaços e na relação que estabelecemos com o conhecimento, e principalmente, com as crianças. Para isso, o trabalho coletivo é fundamental. A instituição, seja pública ou particular, precisa como um todo, através de uma gestão democrática - que escuta todos os sujeitos (famílias, profissionais e crianças) - se comprometer com essa proposta.
A escuta e o diálogo são fatores essenciais para que as Diretrizes possam ser praticadas. Inclusive a escuta das famílias, com as quais (e as DCNS apontam tão claramente isso!), devemos compartilhar a educação e o cuidado das crianças pequenas. Essa escuta permite que conheçamos mais as crianças, que busquemos propostas que considerem melhor suas singularidades, os hábitos familiares, além de contribuir para a reflexão de uma outra cultura da infância na comunidade, que valorize as descobertas da infância, sem que esteja ligada a mera transmissão ou a quantidade de atividades produzidas pelas crianças, como apontei anteriormente."
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